sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Uma Pitada de Sonetos - Bocage e Bilac


Saiba morrer o que viver não soube
Bocage

Meu ser evaporei na lida insana

do tropel de paixões que me arrastava.
Ah! Cego eu cria, ah! mísero eu sonhava
em mim quase imortal a essência humana.
De que inúmeros sóis a mente ufana
existência falaz me não dourava!
Mas eis sucumbe Natureza escrava
ao mal, que a vida em sua origem dana.
Prazeres, sócios meus e meus tiranos!
Esta alma, que sedenta e si não coube,
no abismo vos sumiu dos desenganos.
Deus, ó Deus!... Quando a morte à luz me roube
ganhe um momento o que perderam anos
saiba morrer o que viver não soube.


Saiba descer o que subir não soube
Olavo Bilac
Meus dias consumir de terra em terra,

em banquetes com reis todos os dias;
comigo a pança encheu também Tobias
na Alemanha, na França, na Inglaterra...
Oh! secretário que tão bem comias!
Não sejas mole: dente agudo ferra
na própria língua, que ainda agora encerra
o chorume daquelas iguarias!
Marinhas (1), meu nego, se tu visses
o que de bom nesta barriga coube,
é impossível que ao pranto resistisses.
Quando o Rio a Petrópolis me roube (2)
desça o trem com finas gulodices,
saiba descer o que subir não soube!

(1) - Conselheiro Marinhas, amigo íntimo do presidente Campos Sales
(2) - Crítica às freqüentes viagens do Presidente Campos Sales a Petrópolis,
 durante o verão.


Manuel Maria Barbosa du
 Bocage (1765-1805), nasceu em Setúbal, Portugal. É o mais famoso dos satíricos e o mais popular dos poetas portugueses. Sua inspiração não foi só erótica e passional; também cantou sentimentos graves, "a desesperança e o lento gosto da morte", em que atinge muitas vezes o sublime. Mas sua vida desregrada, além de arruinar-lhe a saúde, tornou desigual a sua vasta obra. É um dos melhores sonetistas da língua portuguesa.


Olavo Bilacalém de poeta parnasiano, cronista, contista, conferencista e autor de livros didáticos, deixou também na imprensa do tempo do Império e dos primeiros anos da República vasta colaboração humorística e satírica, assinada com os mais variados pseudônimos, entre os quais os de Fantásio, Puck, Flamínio, Belial, Tartarin-Le Songeur, Otávio Vilar, etc., assinando, em outras vezes, o seu próprio nome. Nascido no Rio de Janeiro a 16 de dezembro de 1865, foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, em que ocupou a cadeira nº. 15, que tem Gonçalves Dias por patrono. No seu principal livro, "Poesias", incluiu Bilac alguns sonetos satíricos , sob o título de "Os Monstros". Escreveu livros em colaboração com Coelho Neto, Manuel Bonfim e Guimarães Passos, sendo que, com este último, o volume intitulado "Pimentões", de versos humorísticos.



Os sonetos acima foram extraídos do livro "Humor e Humorismo - Paródias", Editora Brasiliense - São Paulo, 1961, organizada por Idel Becker, págs. 296 e 298.

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